Apelo por um Call of Duty: Belaya Smert

Quando era adolescente, gostava de games simuladores de voo. After Burner II era o máximo, tinha um simulador no Mogi Shopping e torrei umas boas fichas nele. Era como Top Gun, pilotar um F-14 Tomcat cheio de marra e não precisar ter medo de morrer. De verdade, pelo menos.

Depois do meu segundo PC e do Playstation, desencanei de ser piloto (tinha desencanado desde que percebi que nunca seria um realmente por conta da miopia) e passei a gostar de games de tiro em primeira pessoa (FPS). Medal of Honor, Black e Call of Duty são os meus preferidos. No momento, Army of TWO é estranho, mas tem um cenário legal e história interessante. Muito violento? Ah, é diversão de menino, pra uma catarse básica. A não ser que você more no Rio de Janeiro, sua vida está chata e esteja pensando em uma nova profissão (eu moro no centro de São Paulo e penso nisso). Bom, você pode até treinar pilotagem em Flight Simulator e até tentar pilotar um Boeing, embora esse desejo possa ser mal interpretado. Mas ninguém vira Simo Häyhä num simulador de tiro.

Simo HayhaSimo Häyhä era um franco-atirador (sniper) finlandês que somou mais de 500 vítimas na chamada Guerra do Inverno, usando um rifle Mosi-Nagant do século XIX. Se você nunca ouviu falar sobre a Guerra do Inverno, vai um breve resumo:

A Guerra do Inverno foi chamada também de Guerra Russo-Finlandesa. Enquanto a Alemanha nazista completava a invasão sobre a Polônia, a União Soviética empreendia uma inesperada invasão sobre a Finlândia, o que levou a expulsão dos soviéticos da Liga das Nações, o equivalente à ONU pré-Segunda Guerra. A brava resistência finlandesa fez com que os russos anexassem somente 10%do território finlandês e que os russos percebessem duas coisas: suas forças militares estavam defasadas para enfrentar um inimigo como a Alemanha (embora, nesse momento, houvese um pacto de não-agressão entre Stálin e Hitler) e que snipers eram um modo barato e eficaz de combate. Tanto que o maior franco-atirador russo, Vassili Zaitev, se tornou uma lenda que manteve o moral soviético durante a guerra e até virou uma cinebiografia, Círculo de Fogo, com Jude Law.

Além dos mais de 500 soldados russos abatidos (relatos nã-oficiais falam em um número ao redor de 542 mortos), fala-se que Simo “Belaya Smert” Häyhä (Morte Branca, em finlandês) matou mais de 200 soldados com uma metralhadora Suomi M-31 SMG, totalizando mais de 700 mortes em 100 dias; uma média de 7 por dia. Mais do que muito jogador de Black, com certeza.

Simo Hayha desfiguradoMas Simo Häyhä não viveu as glórias de um herói de videogame e nem foi homenageado em um. No final da Guerra do Inverno, num combate corpo-a-corpo, Simo Häyhä levou um tiro que acabou com metade de seu rosto e, por incrível sorte, permaneceu inconsciente até a conclusão do conflito. Obteve uma promoção e uma aposentadoria, após uma longa recuperação de várias cirurgias reconstrutivas. Faleceu em 2002, próximo à fronteira com a Rússia e aos campos de batalha de outrora.

Mesmo a Finlândia sendo um país que produz alta tecnologia, o mercado de games e de cultura digital é quase um monopólio norte-americano. Competindo com o Japão e China, EUA é o maior consumidor e produtor de games e mídia eletrônica do mundo. A supremacia é clara; mesmo que outros mercados se desenvolvam a um ritmo acelerado, os norte-americanos tem as grandes produtoras de jogos e as empresas que produzem os consoles e a tecnologia por um bom tempo. Então, os jogos eletrônicos repetem a cartilha hollywoodiana: no meio da ação, a velha bandeira listrada e suas 50 estrelas.

Se a Finlândia não tem essas condições, qual país tem? Bom, China e Japão, com certeza. Não vejo grandes investimentos franceses e russos em jogos eletrônicos; os russos, aliás, estão no pódio da pirataria de games. Não vou tecer comentários sobre o Brasil nessa questão, justamente porque não conseguimos alavancar nem nossa “indústria” cinematográfica, que já foi produtiva.

Jogos eletrônicos são uma nova forma de comunicação. Atualmente, o nível de detalhamento e de produção é comparável ao de um filme blockbuster. História, geografia, mitologia, conceitos morais e éticos, tudo é permitido dentro dessa ferramenta de interatividade, que deixou há muito tempo a relação usuário-console e passou a agregar multidões de jogadores através da rede multiplayer. E como, acredito, é impossível que cada país desenvolva sua própria indústria de games, pelo menos no nível de games XBox e PS3, as parcerias serão necessárias. E parcerias são trocas, não submissões aos mercados. Não é possível aceitar um monopólio cultural norte-americano, mas enquanto só eles tiverem capacidade de produzir dentro desses formatos, o mercado é deles.

Ironicamente, parceria não é um termo que lembre um franco-atirador como Simo Häyhä: solitário, à espreita, esperando o momento certo, segurando a respiração, se escondendo debaixo de camuflagens para não ser visto até o momento fatal. Bom, talvez o exemplo deveria ser Army of TWO, but that’s another story

Em tempo: Meninas, vocês não devem ter gostado desse post. Games FPS não são exatamente o que se espera do gosto feminino (embora algumas namoradas pensem sobre o assunto quando seus namorados ligam o XBox). Mas os homens não tem o monopólio sobre os rifles. Lyudmila Pavlichenko, a maior sniper feminina da história, também abateu sua cota de alemães para o camarada Stálin (mais de 300, no final da guerra). Da mesma forma que seu conterrâneoVassili e Simo Häyhä, usava um Mosin-Nagant, embora preferisse um  SVT-40 Tokarev.

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